March 25, 2025

Before Sunrise (1995) e Before Sunset (2004)

*Esse texto foi escrito em 2006 em um antigo blog no Wordpress. Um terceiro filme foi sim feito em 2013.

Em um cenário cinematográfico contemporâneo frequentemente dominado por produções previsíveis e roteiros superficiais, a trilogia Before de Richard Linklater destaca-se como um raro exemplo de cinema que privilegia a profundidade das relações humanas. Tudo começa com Before Sunrise (1995), filme que introduz Celine e Jesse, dois jovens que se encontram por acaso em um trem cruzando a Europa. Ela, uma estudante da Sorbonne a caminho de Paris após visitar a avó em Budapeste; ele, um americano despretensioso em viagem pela Europa. Uma discussão alheia os aproxima, e um olhar trocado entre os dois marca o início de uma conexão que transcende o acaso.

O filme se sustenta na força dos diálogos — inteligentes, orgânicos e repletos de nuances. Longe dos clichês hollywoodianos, Before Sunrise explora temas universais: amor, destino, juventude e as escolhas que moldam nossas vidas. A proposta de Jesse — que Celine passe uma noite com ele em Viena antes de seguirem caminhos separados — poderia soar absurda em outro contexto, mas aqui é tratada com naturalidade e charme. A química entre Julie Delpy e Ethan Hawke transforma conversas aparentemente simples em reflexões cativantes, capazes de arrancar sorrisos e suscitar identificação. Este é um filme para quem aprecia cinema como arte do pensamento e da emoção, não como mero entretenimento.

Nove anos depois, Before Sunset (2004) confirma a genialidade da dupla e do diretor. Ambientado em Paris, o filme retoma Celine e Jesse em um reencontro marcado pela maturidade e pelas cicatrizes do tempo. Os diálogos, ainda centrais, ganham camadas de melancolia e urgência, enquanto os personagens revisitam promessas não cumpridas e questionam o rumo de suas vidas. A passagem do tempo é visível não apenas nos rostos dos atores — envelhecidos com graça — mas também no tom mais introspectivo da narrativa. A edição, embora não impecável, é ofuscada pela força do roteiro, coescrito pelos próprios Delpy e Hawke, que conferem autenticidade às falas.

Como espectador e admirador da saga, resta-me elogiar a sensibilidade com que Linklater e sua equipe capturam a essência dos relacionamentos. Se um terceiro filme fosse realizado hoje, é inevitável imaginar que a magia persistiria — agora com discussões ainda mais complexas sobre amor, compromisso e a passagem do tempo. Mas, levando a narrativa para além da ficção: seria possível, na vida real, duas pessoas se conectarem de forma tão intensa e sincera? Como jornalista e linguista, creio que sim. A verdadeira arte, afinal, espelha a humanidade em sua forma mais pura — e é isso que Before Sunrise e Before Sunset conseguem com maestria.

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Nove anos após Before Sunset, Richard Linklater conclui (ao menos por enquanto) a trilogia com Before Midnight — um filme que desnuda a relação de Celine e Jesse em toda sua complexidade, longe do romantismo idealizado dos primeiros encontros. Agora em seus 40 anos, os dois estão juntos, mas a vida impôs seus custos: carreiras, filhos, desgastes do cotidiano e as inevitáveis frustrações de quem já não é mais o jovem sonhador de outrora.

O filme se passa na Grécia, durante as férias da família, e mantém a essência dos diálogos afiados, porém com um tom mais ácido. As conversas ainda são brilhantes, mas agora carregadas de ressentimentos, inseguranças e a dura constatação de que o amor, para perdurar, precisa sobreviver não apenas à paixão, mas à rotina. A cena do hotel, em que um desentendimento banal se transforma em uma discussão devastadora, é um dos momentos mais cruéis — e honestos — já filmados sobre relacionamentos.

Before Midnight não nega o passado dos personagens, mas recusa-se a endeusá-lo. Se nos filmes anteriores a conexão era mágica, aqui ela é posta à prova. O final ambíguo — um misto de reconciliação e incerteza — reforça a maturidade da narrativa: o amor não é um conto de fadas, mas uma escolha diária. Uma obra-prima que completa a trilogia com a mesma inteligência e sensibilidade que a iniciou.


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